Investigação Criminal: Conamp responde a OAB
O presidente da Conamp, José Carlos Cosenzo, enviou, na segunda-feira (24), ofício ao presidente nacional da OAB, Cézar Britto, repudiando notícia veiculada no site da entidade sobre denúncia de supostas tentativas do MP de "tomar o lugar" da Polícia Judiciária nas investigações criminais.
No último dia 19, foi publicada matéria na página da OAB com o título "Britto recebe denúncia de que MP e PM tentam tomar lugar da Polícia Judiciária". O texto falava sobre visita, realizada no mesmo dia, do diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal e vice-presidente do Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil, Cleber Monteiro Fernandes, a Cézar Britto.
Na oportunidade, o policial denunciou à OAB a suposta existência de um movimento articulado pelo Ministério Público e Polícia Militar no país, para que as duas instituições assumam o comando da investigação policial, ou fase pré-processual, em substituição ao papel das Polícias Civil e Federal. Segundo a notícia, Cleber Fernandes disse que as manobras do MP e da PM estão expressas em substitutivos ao Projeto de Lei n.º 4.209/2001, que altera o Código de Processo Penal e está em tramitação na Câmara dos Deputados.
Ainda de acordo com a matéria, o presidente da Ordem determinou à sua assessoria o exame urgente do assunto para adoção de providências por parte da entidade, destacando que "a OAB sempre foi contra o controle da fase de investigação pelo Ministério Público".
No ofício encaminhado hoje a Cézar Britto, Cosenzo repudia todas as declarações do diretor-geral da Polícia Civil do DF e critica a divulgação de tais afirmações pela OAB, sem que fossem ouvidas as entidades representativas do MP e da PM. O documento ressalta ainda que não é, e nunca foi, interesse do Ministério Público ter a exclusividade da investigação criminal.
"O Ministério Público nunca pretendeu assumir a investigação criminal, mas também nunca concordou com seu monopólio e nunca abriu mão de seu direito suplementar em desenvolver diligências para apurar os fatos que lhes serão destinados. Todavia, não podemos desconhecer que a própria polícia civil confessa que '80 a 90% dos investigadores têm outra atividade paralela' e, o que é muito pior, 'somente 5% das ocorrências são objeto de investigação'. Além da ínfima produção na investigação e com quadro de pessoal absolutamente defasado, a luta vencimental está tirando de foco os objetivos institucionais da polícia judiciária, que, ao eleger erroneamente o Ministério Público como inimigo, procura retirar os poderes constitucionais a nós conferidos, como instaurar e presidir o inquérito civil", diz o documento.
Confira abaixo a íntegra do ofício enviado pela CONAMP à OAB:
"SENHOR PRESIDENTE NACIONAL DA OAB, CÉZAR BRITTO
Tendo a honra de cumprimentá-lo, servimo-nos do presente para registrar nossa contrariedade à notícia veiculada na página da OAB do dia 19 de novembro passado, com o título 'Britto recebe denúncia de que MP e PM tentam tomar lugar da polícia judiciária', bem como nosso mais veemente repúdio ao teor das informações trazidas pelo delegado de polícia Cleber Monteiro Fernandes, ali também estampadas.
Penso que não é desconhecido desta entidade, as discussões travadas no âmbito da Câmara dos Deputados acerca do Projeto de Lei nº 4209/01, fração de uma ampla proposta parlamentar de desenvolver as reformas infraconstitucionais objetivando modificar parte do Código de Processo Penal, na busca de atualizá-lo para proporcionar maior agilidade na prestação da tutela jurisdicional.
As discussões desenvolvidas nas comissões respectivas foram deslocadas para um Grupo de Trabalho da Comissão de Segurança onde vários segmentos ofertaram sugestões, dentre estes o Ministério Público e a Polícia Militar, mas ante a maioria esmagadora de parlamentares pertencentes à polícia civil ou que com ela mantêm estreitas ligações, nenhuma delas foi acolhida. É necessário destacar que naquele Grupo de Trabalho as entidades não tinham direito à voz e voto.
O anteprojeto elaborado pelo Ministério da Justiça, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, foi desfigurado de molde a acolher as antigas postulações da polícia civil, com ênfase à exclusividade nas investigações, que não lhe contemplou a Constituição de 1988, mas assim estrábica e forçadamente imaginam e tentam sustentar parte de seus integrantes e uns poucos juristas. Assim é que se fez constar o relator da matéria na Comissão de Segurança, coincidentemente o Deputado Delegado Marcelo Itagiba, apoiado por outros colegas daquela classe.
Ao ensejo do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal, por ampla maioria, da legalidade na elaboração do TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) pela Polícia Militar, esta instituição procurou sua inserção no texto em discussão, o que é absolutamente legítimo, da mesma forma que o Ministério Público foi brindado, através dos votos em separado dos Deputados Antonio Carlos Biscaia e Hugo Leal, com a correção daquela absurda postura classista da exclusividade que, aliás, está em exame no Pretório Excelso.
O fato de se corrigir uma postura unilateral, na única sede com legitimidade, a Câmara dos Deputados - a Carta de 88 conferiu a 'exclusividade' da ação penal pública ao Ministério Público e não o fez à Polícia Civil, em relação ao inquérito policial – não pode ser vista, nem dolosamente, como pretensão a subtrair a função da Polícia Civil ou Polícia Federal na investigação criminal, sempre reconhecida como relevante pelo Ministério Público brasileiro.
Doutra banda, é impositivo que se conheça os fatos corretamente. Exauridas as discussões do PL 4209/01 na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, presidida pelo ilustre deputado Raul Jungmann que vem desenvolvendo todos os esforços no sentido de votá-lo, os parlamentares ligados à polícia civil estão realizando todas as manobras possíveis para obstá-la, inclusive com apresentação de novos projetos junto àquela Comissão com objetivo claro da procrastinação. Assim buscaram apensar os PL 4284/08 e PL 4332/08 nas duas últimas semanas, cujo teor em nada inovam, exceto causar mal estar e prejudicar a imagem do parlamento brasileiro, chegando ao cúmulo do deputado Laerte Bessa dizer que se trata de 'artimanha legal'.
Entretanto, como o ilustre delegado de polícia bateu às portas da OAB, que não tem legitimidade alguma para ingressar na discussão reservada exclusivamente à Câmara dos Deputados, e muito menos detém o controle externo do parlamento brasileiro, distorcendo os fatos políticos e atribuindo uma conduta inexistente ao Ministério Público, mesmo não reconhecendo a legitimidade de Vossa Excelência para apurar qualquer fato, o respeito e a histórica consideração que sempre lhe devotamos merece que seja conhecida a mais absoluta verdade.
Conhecendo-a, há sim, várias diligências que podem, e devem ser tomadas pela Ordem dos Advogados do Brasil.
É importante que lutemos juntos pela recomposição vencimental da polícia judiciária brasileira para melhoria de seus quadros, maior aparelhamento, e de conseqüência, a busca do aperfeiçoamento no combate à criminalidade, cujo aumento sensível preocupa administrações, administrados e a sociedade brasileira.
Imaginamos também, que é de conhecimento de Vossa Excelência e de seus pares, que o Ministério Público nunca pretendeu assumir a investigação criminal, mas também nunca concordou seu monopólio e nunca abriu mão de seu direito suplementar em desenvolver diligências para apurar os fatos que lhes serão destinados. A matéria está em exame no Supremo Tribunal Federal onde aguardamos que a sensibilidade necessária para examinar a questão, mais uma vez se fará presente, e a justiça o reconhecerá.
Todavia, não podemos desconhecer, e muito menos Vossa Excelência, que a própria polícia civil confessa que '80 a 90 por cento dos investigadores têm outra atividade paralela', e, o que é muito pior, 'somente 5% (cinco por cento) das ocorrências são objeto de investigação'.
Quem prova isso é o Instituto São Paulo Contra a Violência, e quem o reconhece é o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, Sérgio Marcos Roque em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (C6, 14.agosto.2008), detalhando a pobreza estrutural e lacuna abissal no quadro de pessoal.
Vossa Excelência, na presidência desta augusta entidade não pode, e certamente não ficará silente a fatos tão graves, e muito menos lutará pela exclusividade da apuração de 5% dos fatos e pelo silêncio dos esmagadores 95%, cujas vítimas não poderão se quedar inertes mais uma vez.
Além da ínfima produção na investigação e com quadro de pessoal absolutamente defasado, reitere-se objeto de confissão da cúpula da polícia civil, a luta vencimental está tirando de foco os objetivos institucionais da polícia judiciária, que, ao eleger erroneamente o Ministério Público como inimigo, procura retirar os poderes constitucionais a nós conferidos, como instaurar e presidir o inquérito civil. A questão é singelíssima, pois se a polícia judiciária se confessa incapaz de investigar mais que 5% (cinco por cento) dos fatos que chegam a seu conhecimento, como poderá se dedicar a instaurar e presidir o inquérito civil?
Ainda que se cogite, apenas pelo sabor da reflexão, que a matéria em sede de discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, poderá autorizar a polícia civil instaurar inquérito civil e investigar todos os agentes políticos do país, a exemplo do motivo desta missiva, também importará algum posicionamento da augusta OAB?
Somos conhecedores das duras críticas feitas pela OAB à polícia judiciária brasileira, cujo ápice foi a realização do XX Congresso Nacional da entidade na cidade de Natal, no período de 12 a 16 de novembro com o tema Estado de Direito e Estado Judicial, certamente para discussão e sugestão de medidas tendentes a aperfeiçoá-la.
Todavia, nos permitimos à correção fraternal, e esta se origina do notório respeito que devotamos a Vossa Excelência e a seus dignos pares, pois apoiar unilateralmente uma instituição, no caso a polícia judiciária, por via de uma informação totalmente despropositada, fruto de ilação cerebrina de um integrante isolado, e fomentar uma disputa entre carreiras, não é interessante à sociedade brasileira e não faz parte do papel histórico da OAB.
Portanto, ao contrário do texto impugnado, o Ministério Público brasileiro sempre reafirmou o respeito às Polícias Civil e Federal.
Ao contrário do que consta daquele texto, o Ministério Público entende como legítima a luta por melhoria vencimental daquelas importantes carreiras, ao mesmo tempo em que repudia veementemente as afirmações de que pretende assumir as funções de investigação a elas inerentes, mas reafirma seu poder em desenvolver diligências suplementares visando a busca de elementos suficientes para ajuizar ação penal pública. Não se trata de luta por poder, mas a busca de uma interação entre as instituições, onde o desiderato único é a defesa intransigente da sociedade brasileira.
É interessante consignar que foi divulgada neste final de semana pela revista Carta Capital, uma pesquisa entre advogados, de autoria do repórter Mauricio Dias, em que evidencia a reduzida credibilidade da classe no Supremo Tribunal Federal e na polícia judiciária, enquanto demonstrando uma visão mais progressista em contraste com outras razões conservadoras, 71% (setenta e um por cento) dos advogados defendem que o Ministério Público deve ter o direito de investigar.
À oportunidade, renovando os protestos de respeito, estima e consideração, permita-nos, por derradeiro, fazer mais uma correção ao teor da matéria, onde consta que 'a OAB sempre foi contra o controle da fase de investigação pelo Ministério Público', após a divulgação da pesquisa na classe dos advogados é possível afirmar que apenas parte da cúpula assim se manifesta.
JOSÉ CARLOS COSENZO
Presidente da CONAMP"
Fonte: Imprensa Conamp