Juiz defende descriminação do aborto
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (22/11), o juiz de Direito Roberto Arriada Lorea, 40 anos, fustigou um dogma da Igreja Católica: pregou a descriminação do aborto. Titular da 2ª Vara de Família em Porto Alegre, Lorea já havia se notabilizado por defender a retirada dos crucifixos das salas dos júris e por reconhecer o casamento entre homossexuais. Doutorando em Antropologia, é vice-diretor do Departamento de Cidadania e de Direitos Humanos da Associação dos Juízes do Estado (Ajuris). Confira trechos da entrevista, concedida por telefone:
Zero Hora – Por que o senhor propõe que o aborto não seja crime?
Roberto Arriada Lorea – A Constituição, no seu Artigo 5º, não recepcionou a doutrina da proteção jurídica da vida desde a sua concepção. Há outros fundamentos jurídicos. Uma resolução da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 1981, a partir de um caso que teve origem nos EUA, afirmou que o direito ao aborto não viola o Artigo 1º da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Também deixa claro que o direito ao aborto não viola o Artigo 4º da Convenção Americana dos Direitos Humanos. Esses fundamentos jurídicos raramente vêm à discussão no Brasil. Isso seria importante.
ZH – Por que o senhor defende a descriminação?
Lorea – Nosso Código Penal é de 1940. É preciso que os legisladores, os governantes e também os magistrados pensem a respeito de um pacto social. Nos últimos anos, tem se produzido uma mortandade materna muito grande. Estima-se que entre 750 mil e 1 milhão de abortos sejam praticados por ano no Brasil. Boa parte por pessoas sem habilitação e com falta de higiene. Mulheres não deixam de fazer aborto em função de legislação proibitiva. No Brasil, a punição que pode haver é ela pagar com a própria vida.
ZH – Quem seria beneficiado com a descriminação?
Lorea – No Brasil, o Artigo 5º da Constituição começa dizendo que todos são iguais perante a lei, o que é uma falácia. Não vivemos uma cultura jurídica igualitária, mas, sim, uma cultura jurídica monárquica. Existem nós e eles. Neste país, a única hipótese de aborto legal é a de que pertença à elite socioeconômica. Quem tem recursos tem acesso garantido ao aborto seguro. Nessa elite se incluem legisladores, governantes, magistrados e membros do MP. Estou afirmando com isso que, na hipótese de uma gravidez indesejada, eles terão acesso ao aborto seguro. O que acontece hoje no Brasil? Quem precisa que haja reformulação na legislação não tem poder. E quem tem poder não precisa fazer a reforma.
ZH – Como os seus colegas vêem a sua posição?
Lorea – É uma luta difícil. A questão do aborto é polêmica.
ZH – Como o senhor acha que a Igreja Católica vai reagir?
Lorea – Estamos falando dos católicos, dos fiéis, ou da cúpula, da hierarquia da Igreja Católica? Uma pesquisa do Ibope apontou que 86% dos filhos de católicos apóiam a separação entre Igreja e Estado.
A opinião da Igreja Católica
Com mestrado em Teologia Moral por Roma, o padre João Manuel Piccoli, de Porto Alegre, discorda da posição do juiz Roberto Arriada Lorea. Padre Piccoli é membro do Comitê de Ética e Pesquisa na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS):
"A Igreja respeita a liberdade de opinião de cada um, procura o diálogo com as diferentes áreas, como a do direito e a da medicina, mas é categórica no que diz respeito à defesa da vida.
Não pode abrir mão do postulado da vida, que é um dom de Deus. Já em 1974, a Congregação para a Doutrina da Fé se manifestava a favor da vida, em todos os seus estágios. Depois, na encíclica Evangelho da Vida, o papa João Paulo II se posicionou contra o crime abominável do aborto.
A vida humana começa no momento da fecundação e só termina com a morte cerebral. E só Deus tem o poder de alterar esse decurso."
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