Leia a íntegra da Carta de Gramado
A Carta de Gramado, documento que compila as reflexões resultantes dos debates ocorridos durante o XVI Congresso Estadual do MPRS, foi lida na manhã desta sexta-feira, 13 de setembro, pelo vice-presidente Administrativo e Financeiro da AMP/RS, Fernando Andrade Alves.
Confira a íntegra:
CARTA DE GRAMADO
Os membros do Ministério Público, reunidos no XVI Congresso Estadual, promovido pela Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul – AMPERS -, com apoio da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP -, na Cidade de Gramado, no dia 13 de setembro de 2024, como resultado dos debates, diretrizes e discussões sobre os temas apresentados nos três dias de Congresso, formularam o seguinte conjunto de propósitos:
1. Reafirmar o compromisso de trabalhar ao lado e com as Instituições públicas do Estado, com a sociedade civil organizada e com todos os seguimentos sociais, com o firme propósito de viabilizar a plena recuperação do Estado do Rio Grande do Sul, afiançando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o empreendedorismo, a segurança de todos os cidadãos, o bem-estar social, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, nos termos estabelecidos pelo Preambulo da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988.
2. Destacar que o legislador constituinte originário estabeleceu que todo o poder advém do povo, que deve exercê-lo por meio do voto popular e democrático, que elege os seus representantes, nos termos da Constituição Federal e da legislação especial, distinguindo a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político, como fundamentos da República.
3. Realçar que o legislador constituinte definiu os objetivos fundamentais da República que devem pautar as suas ações na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantias para o desenvolvimento nacional, visando à erradicação da pobreza e da marginalização, com o fim de reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação.
4. Apontar que a democracia, como fundamento elementar da razão de existir o próprio Estado de Direito, constitui, igualmente, o propósito a inspirar e justificar o universo de funções e compromissos do Ministério Público, que é uma Instituição permanente, não subordinada a quaisquer dos Poderes do Estado, estando, de forma harmônica, ao lado dos Poderes, inclusive para fiscalizá-los, a quem foram conferidos, para o exercício de suas funções constitucionais e legais, todos os requisitos necessários à sua autonomia e à atividade livre e independente de seus membros.
5. Reafirmar que o Ministério Público presenta o Estado, especialmente nas suas mais tradicionais funções nas áreas criminal, onde renova, no exercício diário, o compromisso com a defesa e proteção das vítimas e com o combate, sem trégua, às mais diversas formas de criminalidade, do crime do cotidiano à criminalidade sofisticada e extremamente organizada, que assola as famílias e a realidade social, tendo, como Instituição, preocupação permanente com a efetividade do processo penal e com o fim da impunidade, que escancara a incompreensão do cidadão com os deveres do Estado.
6. Destacar que as questões contemporâneas, especialmente as que vivenciamos em nosso Estado e em nosso País, realçam que há profundas mudanças sociopolíticas e socioambientais, com reflexos que ocorrem diretamente no destinatário da nossa atenção, o povo do nosso Estado e nos nossos irmãos brasileiros, impondo a ação atenta e efetiva da Instituição do Ministério Público através de seus membros. Esta realidade faz diferenciada a Instituição e impõe maiores compromissos com a realidade democrática e social do País. O acesso à justiça pelo cidadão em razão das catástrofes que experimentamos realça a necessidade de entender a compreensão da grandeza das demandas de proteção massificada, bem como a compreensão, pelo cidadão, dos seus direitos fundamentais, o reconhecimento à garantia dos direitos humanos, a preservação do regime democrático e a defesa de direitos supraindividuais, que, cada vez, mais reclamam de todos aprimoramento, expertise, ânimo e a compreensão.
7. Apontar que os fenômenos que expuseram, de forma catastrófica, as nossas carências e deficiências, especialmente em razão das enchentes, não diferente da realidade brasileira, que convive permanentemente com catástrofes, e não é divorciada da situação mundial, onde vemos o sofrimento do povo, especialmente o mais desfavorecido, impondo gravíssimas dificuldades sociais e econômicas que estamos a experimentar. Estes movimentos locais, regionais, nacionais e globais invertem valores, subvertem princípios e tornam os ricos mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, deixando sequelas impossíveis de avaliação e reparação aos segmentes sociais diretamente afetados.
8. Realçar que o fortalecimento da cidadania e do processo eleitoral democrático, com respeito às contrariedades, à pluralidade, às minorias e ao voto universal e democrático, as maiores riquezas de um povo tão importante como a educação, a cultura, o trabalho, a saúde, a segurança e o bem-estar e que não podem ser tratados como simples mercadoria, como produtos que se compra e se vende, conforme ditam as leis de mercado.
9. Olhar para os nossos aposentados e pensionistas com respeito, pois dedicaram suas vidas ao trabalho e à construção da Instituição do Ministério Público e em favor da sociedade, sempre visando o seu próprio bem-estar, como o de seus familiares e dependentes, realçando a necessidade de uma aposentadoria digna e um final de vida tranquilo e assistido, como determinam as garantias da vitaliciedade e irredutibilidade de subsídios, em respeito aos princípios constitucionais da legalidade, da publicidade e da solidariedade, em cumprimento das regras previstas em Resoluções, em princípios de Organismos Internacionais e no próprio Estatuto do Idoso, que definem prioridades absolutas e tratamento isonômico e diferenciado.
10. Vislumbrar para as nossas crianças e adolescentes, bem como para os nossos jovens, a expectativa de uma Instituição por uma Nação diferenciada, com olhar para o presente e perspectiva para o futuro, onde o acolhimento familiar, o processo educativo e a proteção social sejam caminhos seguros para afastá-los da atração de vida fácil e sem perspectiva, que propalam ilusões e os submetem ao flagelo das drogas, ao abuso sexual e a toda forma de violência, física ou moral.
11. No início da pandemia, em 2020, e da catástrofe das enchentes, em setembro e novembro de 2023 e maio de 2024, nos deparamos, quando confrontados com a finitude da vida, com o significado das perdas materiais e humanas e com a obrigação de isolamento ou migração, a esperança era de crescimento pessoal, espiritual e social, compreendendo a realidade e experimentando a tolerância e empatia. Enfrentamos com desprendimento os desafios da reconstrução, com o apoio e a solidariedade do nosso povo brasileiro, mesmo com a irracional polarização política e o baixíssimo nível de tolerância, especialmente daqueles que, mercê de suas responsabilidades, compromissos éticos, políticos e ideológicos, deveriam zelar pelas salvaguardas do bem-estar do nosso povo e da sociedade, colocando em risco a paz, a cidadania e a própria democracia.
O Ministério Público, como Instituição permanente de Estado, que tem como função essencial a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, exerce a plenitude as suas funções, quando são respeitadas as regras do jogo democrático, com o fortalecimento da cidadania, das liberdades plenas e plurais, com respeito a informação correta e a opinião de cada cidadão.
O Ministério Público, nos seus movimentos, deve ponderação, sem excessos que possam importar em danos irreparáveis, mas, sobretudo, sem omissão, que possa colocar em risco a própria democracia. Mas, para exercer bem o seu papel, a Instituição do Ministério Público precisa do olhar especial da classe política e jurídica, para a construção de orçamento compatível com as demandas sociais que lhe são impostas no trabalho diário.
Precisamos zelar pela isonomia material de direitos e oportunidades entre homens e mulheres do Ministério Público, atentos à manutenção da autonomia do Ministério Público, à força intergeracional pujante de sua carreira, que se mostrou essencial ao funcionamento das estruturas de Estado, quando as formalidades e burocracias não se mostraram incapazes de fornecer respostas a problemas inéditos a nossa geração histórica. O Ministério Público mostra-se eficiente e imprescindível, uma instituição enxuta que tem exigido forças de seus membros e servidores, expostos à exaustão em razão da insuficiência de seus recursos humanos e orçamentários.
O Ministério Público desempenha papel essencial no Estado Democrático de Direito, sendo instituição permanente e autônoma. Nessa condição, por ter a função da defesa da ordem jurídica e de assegurar o cumprimento das leis e a proteção dos direitos fundamentais, manifesta preocupação com recentes procedimentos em tramitação e decisões adotadas por Ministros do Supremo Tribunal Federal. O pilar do Estado Democrático de Direito está no estrito cumprimento, pelos Poderes e Instituições públicos, de princípios constitucionais como do devido processo legal, da liberdade de expressão e das garantias penais, sendo desejado, até para a retomada de um processo de pacificação social, que o STF desempenhe seu papel precipício, de Guardião da Constituição Federal.
Fiéis às suas responsabilidades, os membros do Ministério Público reunidos nos três dias de Congresso afiançam, nesta Sessão Plenária, o compromisso com a ordem social, o respeito a Constituição Federal e a ordem democrática, bases do Estado Democrático de Direito.
Gramado, 13 de setembro de 2024.