Ministério Público e Judiciário promovem atos pelo país em reação a ataques da Câmara dos Deputados
A cada nova representação que chegava, uma nova salva de
palmas ecoava em frente ao prédio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
na Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre. Foi nesse clima, no início da
tarde desta quinta-feira (1º), que se deu o ato público intitulado Um Minuto de
Silêncio pela Democracia, organizado pela Frente Associativa da Magistratura e
do Ministério Público (FRENTAS), em resposta ao ataque sofrido na madrugada de
ontem, quando a Câmara dos Deputados converteu o conjunto de medidas
anticorrupção encaminhado pelo MPF com a chancela de 2,4 milhões de assinaturas
em um pacote pela corrupção. Manifestações por todo o Estado e pelo país também ecoaram a reação contra os parlamentares.
A manifestação reuniu centenas de pessoas na escadaria de
acesso ao prédio desde antes das 13h30min. Pouco antes, membros do Ministério
Público saíram em caminhada silenciosa das Torres Gêmeas em direção à sede do
Judiciário. Ao chegar, foram recebidos com aplausos e se juntaram ao grupo para
falar à população. Nas palavras dos dirigentes, um tom forte de desagravo e de
mobilização em defesa das garantias funcionais. O presidente da AMP/RS, Sérgio Harris, abriu sua
fala afirmando que a postura dos deputados federais que aprovaram
medidas que criminalizam juízes e membros do MP, entre outras, foi um atentado
à democracia brasileira. "A sociedade não aceita mais esse tipo de
comportamento. Este evento é para mostrar que procuradores, promotores e juízes
estão ao lado da sociedade, que repudiou veementemente a aprovação e a
distorção das Dez Medidas contra a Corrupção, apresentadas pelo Ministério
Público Federal e que foram absolutamente
transformadas, e com emendas, num pacote a favor da corrupção. A
sociedade não aceita mais esse tipo de política", afirmou o dirigente.
"AO LADO DA SOCIEDADE, CONTRA A CORRUPÇÃO"
Harris alertou os órgãos de imprensa sobre os desdobramentos
da criminalização de qualquer juiz ou promotor que se manifestar sobre um
processo em curso, conforme aprovado pela Câmara. "Essa medida visa a
atingir diretamente a liberdade da imprensa, que não terá como saber nem
informar com segurança sobre o que acontece no país. Isso é muito grave.
Estamos aqui para dizer que o Ministério Público e a magistratura não vão se
entregar. Se tivermos de morrer, morreremos em pé, ao lado da sociedade e
enfrentando a corrupção". Confira aqui a íntegra da manifestação do presidente da AMP/RS.
Na abertura, o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer,
reafirmou que o MP e a magistratura não serão calados em suas atividades
cotidiana de enfrentamento à corrupção. "São as nossas atividades,
prerrogativas e razão de ser que estamos honrando aqui. Estamos denunciando,
sim, uma pauta de retaliação do Congresso Nacional, que se efetivou na
aprovação dessas medidas, chamadas de "abuso de autoridade", que nem
tecnicamente se sustentam".
SILÊNCIO EM REFLEXÃO SOBRE A SOCIEDADE
Schäfer ressaltou que para alcançar uma sociedade democrática
e justa, conforme a Constituição Federal, é preciso que os recursos de punir
criminosos não sejam surrupiados ilegitimamente. "Por isso, convoco um
minuto de silêncio para refletirmos sobre a nossa democracia. Democracia não
existe sem Judiciário e MP independentes e com autonomia para executarem suas
funções", disse o magistrado. A pausa silenciosa foi encerrada com uma
grande salva de palmas dirigida a todo o povo brasileiro.
Representantes de diversas entidades e Poderes usaram o
microfone para fortalecer o combate ao que consideraram um dos mais sórdidos
movimentos da Câmara dos Deputados, uma vez que a votação aconteceu justamente
no momento em que a América Latina estava em comoção em virtude da tragédia
ocorrida com o desastre do avião que transportava a delegação da Chapecoense
para a Colômbia, matando 71 pessoas.
"ESTÃO ATUANDO NA NOSSA ESTRUTURA"
O procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, que
acabara de chegar de Brasília, relatou um cenário muito complicado.
"Vivemos um momento de muita dificuldade. As coisas, lá, acontecem com uma
dinâmica impressionante. Nós tivemos dificuldade até para acessar os prédios do
Senado Federal e da Câmara dos Deputados", revelou. Dornelles finalizou com um alerta: "Estamos aqui pela
nossa decência. Esse movimento (da classe política) é muito pensado. Não é
apenas a atividade fim que querem desconstruir, como a investigação e o
julgamento. Eles também estão atuando na nossa estrutura. Mexendo na autonomia
de nossa atuação e no nosso orçamento, quem é que vai segurar deste país? Em 20
anos, nunca vi uma mobilização como essa, envolvendo Instituições. Mas Essa
mobilização tem de ir para a rua. Só com a ajuda da sociedade vamos conseguir
reverter esse quadro”. Ao final do ato, os participantes cantaram o Hino Nacional e
repetiram os aplausos à população.
PELO ESTADO
Manifestações similares, articuladas por juízes e promotores
de todo o Estado também ocorreram, simultaneamente ao ato público da Capital.
Nos fóruns de diferentes comarcas, membros da magistratura e do Ministério
Público se uniram para dar um recado de união, força coletiva e determinação
contra tentativas de constranger, restringir e reprimir a atuação do sistema de
justiça brasileiro. Houve mobilizações em Bagé, Caxias do Sul, Erechim,
Lajeado, Parobé, Passo Fundo (foto ao lado), Pelotas, Santa Maria, Santa Rosa, Sapucaia do Sul e
Uruguaiana. Veja nesta Galeria de Imagens as fotos das manifestações nessas cidades gaúchas e em outros Estados brasileiros.
PELO PAÍS
Resposta forte também deram juízes, promotores e
procuradores de outros cinco Estados, além do Distrito Federal. Alagoas,
Amazonas, Sergipe, São Paulo e Paraíba promoveram eventos com igual intensidade
e repercussão. Em Brasília, a FRENTAS divulgou uma Carta Aberta da Magistratura
e do Ministério Público contra a Corrupção e a Impunidade. O documento, que foi
encaminhada à presidente do STF, ministra Carmen Lúcia Rocha, denuncia "a
iminência de grave atentado contra suas independência e autonomia. Segundo a Carta, é notória "a obstinação de certos
segmentos do panorama político nacional em retaliar a Magistratura e o
Ministério Público", seja por meio das medidas aprovadas no chamado Emenda da Meia-Noite, como foi apelidada a sessão da Câmara dos Deputados que se
iniciou no dia 29 de novembro e, após a meia-noite, desvirtuou completamente a
essência do Pacote Anticorrupção, seja por intermédio de outras tantas que, na
perspectiva judicial, administrativa ou orçamentária, fragilizam as
instituições judiciárias. "Por tais razões, a FRENTAS está conclamando a
sociedade civil e os parlamentares comprometidos com a probidade, com a ética
pública e com a integridade das instituições judiciárias a resistirem à
aprovação dos textos referidos, notadamente ao chamado “PL do Abuso de
Autoridade” e ao PL n. 4.850/2016, naquelas seções que contrabandearam
silenciosamente novos “crimes de responsabilidade” no Projeto das 10 Medidas
contra a Corrupção, transformando-o, a rigor, em um projeto de intimidação de
juízes, promotores e procuradores nos esforços de combate à corrupção",
finaliza o texto.