Uma vitória contra o preconceito - Zero Hora
Ao olhar para as bochechas fofas e o sorriso da pequena Júlia, é difícil não ser conquistado por ela. O preconceito, porém, frequentemente é mais forte. Filha de uma viciada em crack, hoje ela tem cinco meses. A mãe, de 19 anos, deu à luz no Hospital Conceição. Fugiu deixando a menina para trás. Gerada sob os efeitos da pedra, Júlia teria de superar o medo e a intolerância para ser adotada. Conseguiu.
A funcionária dos Correios Rita de Cássia da Rosa Dias, 39 anos, e o marido, o motorista Odi da Silva Souza, 43 anos, não se importaram com o passado, a abstinência, a prematuridade e as complicações de saúde. Ao vê-la no berçário sozinha, ao redor de dezenas de outras crianças paparicadas pelos pais, eles não tiveram dúvida: Júlia seria deles.
– A gente não escolhe como vai ser o filho quando nasce. Por que eu iria fazer isso? Quando olhei para ela, disse para a assistente social: posso levar agora? – conta Rita.
Criança com tremores teve cinco candidatos a pais
Sorte como a de Júlia é rara. Segundo Angelita Camargo, assistente social do 2° Juizado da Infância e Juventude, a rejeição é muito comum, ainda mais com histórico de drogas e HIV. Uma outra criança, em condições de saúde até melhores que as de Júlia, teve cinco candidatos a pais. Somente o último a aceitou. Ela nasceu saudável, mas teve tremores causados pela abstinência. Foi o suficiente para o preconceito.
A adoção de crianças de até dois anos demora, em média, um ano para ocorrer. O tempo é um inimigo – quanto maior a idade, menor a chance de ter uma família.
A morosidade ocorre porque a Justiça precisa esgotar todas as possibilidades para que a criança fique com a família biológica. Para agilizar o processo, o Conselho Nacional de Justiça deverá editar uma recomendação, nos próximos meses, para que os juízes realizem duas audiências por ano para cada abrigado.
– Isso poderá garantir que eles não sejam esquecidos e apressar a destituição familiar – diz Angelita.
Ameaça ao desenvolvimento saudável
- Não há estudos científicos aprofundados sobre as consequências da droga no desenvolvimento. O que se sabe até agora está fundamentado na observação de especialistas.
- O recém-nascido pode sofrer com abstinência, ficando agitado. Nos casos mais graves, apresenta suor excessivo, rigidez nos membros, choro incessante e até convulsões. Os sintomas duram semanas ou até meses.
- Se a gestante, além do crack, usou álcool e tabaco e ficou desnutrida, as consequências podem ser piores.
- Algumas crianças têm malformações, danos no sistema nervoso central, fissura labial e defeitos cardíacos.
- No futuro, podem surgir problemas de memória e aprendizagem, além de maior risco de desenvolver alguma drogadição.
Fonte: Zero Hora, 16 de maio de 2010